Pensar na solução de um problema e melhorar a vida das pessoas. Esse foi o desafio proposto aos internos da Fundação Casa em Batatais (SP) e que resultou no desenvolvimento de um aquecedor solar construído com canos de PVC e garrafas plásticas: o sistema economiza energia elétrica e recicla materiais que iriam para o lixo.

O projeto não é inédito, mas a iniciativa dos menores chamou a atenção da Prefeitura, que decidiu investir na ideia e aplicar o protótipo em um abrigo municipal. O trabalho também está disputando um concurso cultural realizado por uma rede varejista brasileira.

“Na minha cabeça, eu achava que não tinha capacidade de fazer um projeto desses. Percebi que a gente também é capaz de fazer coisas boas. Agora, quando eu sair, já penso em arrumar um emprego, terminar os meus estudos”, diz Marcelo*, de 18 anos.

Apreendido há seis meses por tráfico de drogas, o jovem conta que a ideia do aquecedor solar surgiu em uma aula de geografia, quando o professor explicava a importância do uso de energias renováveis. Foi o docente quem levou um esboço do projeto para a sala.

foto1Rafael*, de 16 anos, conta que a ideia original do aquecedor solar foi aperfeiçoada a partir dos conhecimentos de cada um dos alunos. O adolescente, por exemplo, trabalhava como carpinteiro, antes de se envolver com o tráfico de drogas e ser apreendido duas vezes.

“A gente tinha um pouco de noção de como fazer aquilo funcionar na prática. Tinha gente que sabia de encanamento, daí fomos desenvolvendo”, conta. “Pessoas vão utilizar e descobrir que funciona. Eu mesmo penso em construir um desses depois que sair daqui”, completa.

Ressocialização

Orientador dos internos, o professor Rodrigo Matassa explica que o aquecedor solar é simples de ser construído e não exige uma mudança radical na estrutura da casa.

O sistema funciona da seguinte forma: em vez de a água sair da caixa e ir direto para as torneiras, ela passa por um longo cano de PVC, instalado em ziguezague sobre o telhado da residência. Dessa forma, o líquido é aquecido pelos raios solares.

O encanamento é pintado de preto para absorver ainda mais o calor e também é revestido com garrafas plásticas, para evitar que correntes de ar resfriem a água. Ao final do trajeto, o líquido volta para a caixa, em um circuito contínuo, até que alguém acione o chuveiro ou uma torneira.

“Eu fiz algumas pesquisas na internet, encontrei alguns modelos, a gente fez uma compilação, eles gostaram da ideia e começaram a desenvolver. O importante é eles entenderem na prática o que estava sendo estudado em sala de aula”, diz o professor.

Matassa afirma que, além de facilitar o aprendizado, o projeto também levou os internos a refletir sobre questões importantes no processo de ressocialização, como a convivência em sociedade e o bem estar social.

“Quando você mostra que ele faz parte e pode fazer a diferença, pode mudar a sociedade e, através disso, mudar a própria vida, automaticamente você está fazendo o processo de ressocialização. Você cria uma conscientização social que antes não existia”, explica.

Na prática

E para incentivar ainda mais os adolescentes, Matassa apresentou o projeto à Prefeitura de Batatais, explicando a viabilidade técnica e financeira do aquecedor solar, principalmente em moradias populares.

O diretor de Obras, Silvio Valério da Silva, confessa que, inicialmente, duvidou da ideia, mas, depois de realizar alguns testes em um modelo que ele próprio construiu, e sugerir alguns aperfeiçoamentos, percebeu que o aquecedor era funcional.

Com as plantas de engenharia em mãos, Silva afirma que o aquecedor solar dos adolescentes será construído em um abrigo municipal para crianças em situação de vulnerabilidade social. A previsão é que o sistema seja inaugurado ainda em janeiro.

Além disso, a Prefeitura vai aplicar o projeto na construção de um vestiário em um campo de futebol que já existe e é administrado por uma entidade social. O banheiro terá 45 metros quadrados e cinco chuveiros.

Apesar de não ter feito cálculos específicos, Silva estima que o aquecedor solar promova uma economia de 40% na conta de energia elétrica do complexo esportivo.

“Não é porque o menino está apreendido, praticou um delito, que não pode ser um grande engenheiro. Nós podemos ter grandes talentos dentro da Fundação Casa. Todo mundo tem direito e merece uma chance de recuperação. A gente só precisa dar oportunidade”, conclui.

*Os nomes da reportagem foram modificados para preservar a identidade dos entrevistados.


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