Emissões veiculares: no mundo real é pior

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thumb-deslocamentos-curtos-preferivel-ir-a-pe-ou-de-bicicletaCiclistas e pé-ativistas, escutem esta: em 2005, quando trabalhava na Cetesb (Agência Ambiental do Estado de São Paulo) como gerente da área de programas de controle de emissões de veículos em uso, constatamos numa pesquisa inédita na América Latina algo muito interessante. Ao medir as emissões reais nas ruas, a bordo de veículos de uma amostra de 114 automóveis, notou-se que as emissões de escape, logo após a partida a frio (primeiros 4 a 5 minutos de funcionamento do veículo depois de estar estacionado por várias horas), correspondiam a quase metade das emissões totais da frota de automóveis, e chegavam a ser até dez vezes superiores às emissões da fase quente (depois do aquecimento do catalisador – light-off).

Esses resultados comprovaram que um carro que roda apenas em trechos curtos – operando a maior parte da viagem com o motor e catalisador frios – tem suas emissões de poluentes tóxicos fortemente aumentadas.

Concluiu-se de modo singelo, por meio desses utilíssimos testes de campo, que a supereficiente substituição de deslocamentos motorizados curtos, por uso de bicicleta, skate, patins, caminhada, trenó, cavalo etc., além de todas as outras vantagens óbvias e amplamente conhecidas, traz ganhos redobrados na redução da poluição urbana em áreas congestionadas, onde metade dos deslocamentos motorizados, segundo os especialistas em trânsito, costumam ser inferiores a cerca de sete quilômetros.

Monitoramento
Essa investigação fazia parte de uma profícua e extensiva parceria, financiada pela Fundação Hewlett, com o International Sustainable Systems Research Center (ISSRC), dirigido por um dos cientistas responsáveis pela concepção dos programas de redução da poluição atmosférica da Califórnia na década dos anos setenta, Dr. Jim Lents.

O estudo, disponível na íntegra no portal do ISSRC, tinha como meta monitorar e caracterizar de modo objetivo, hora-a-hora ao longo de duas semanas consecutivas, a atividade veicular na Região Metropolitana de São Paulo, bem como as emissões reais que efetivamente eram lançadas na atmosfera pela frota circulante de veículos motorizados.

Essa parceria – que não gerava ônus financeiro, apenas fartos bônus científicos e tecnológicos para o Estado e o País – foi surpreendentemente interrompida por falta de uma melhor compreensão de sua avassaladora utilidade ambiental. Ela visava originalmente seguir por tempo indeterminado com campanhas sistemáticas periódicas de medição de rua para coleta de fatores típicos de emissão real (internacionalmente chamada de real-world emissions), que são fundamentais e indispensáveis para a precisa caracterização das emissões dos diferentes modelos de veículos que compõem as frotas nas cidades congestionadas brasileiras. E é simplesmente a melhor ferramenta que um gestor ambiental e tomador de decisão pode dispor para estabelecer políticas públicas bem talhadas para controle da poluição atmosférica urbana.

Dieselgate
Aliás, é importante mencionar que essa metodologia de medição de emissões reais a bordo foi a exata causa da recente identificação por parte do International Council on Clean Transportation (ICCT) de veículos tecnicamente fraudados da Volkswagen, que emitiam até 40 vezes mais poluentes na atmosfera, em relação aos limites legais permitidos e homologados como condição prévia à sua comercialização. Este é o famoso escândalo Dieselgate, que hoje inclui modelos de muitos fabricantes.

O Dr. Jim Lents, o colega Dr. Silvio Figueiredo, então gerente do laboratório de emissões de motores do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo – IPT, e eu, tivemos a oportunidade de estar ao lado do Prof. Mario Molina (Prêmio Nobel em Química) e do Dr. Michael Walsh (um dos idealizadores do Programa Nacional de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotore s – Proconve) – entre os membros fundadores do ICCT em 2004.

O caso Dieselgate reforçou a ideia de que, sem as medições reais sistemáticas de emissões a bordo de veículos ao longo de sua vida útil, previstas em regulamentação, não será possível garantir que os veículos licenciados pelas autoridades ambientais, de fato, reproduzam a performance ambiental dos testes de homologação laboratorial, quando estiverem em efetiva circulação nas ruas. A Europa e os EUA já incorporaram o Euro 6 que requer os testes a bordo e muitos países já estão tomando as devidas providências para que esses testes façam parte dos procedimentos regulatórios compulsórios, como condição prévia ao licenciamento ambiental.

Fonte: Mobilize Brasil


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