Fundação Bernard van Leer apresenta Urban95: uma solução para redesenhar cidades mais saudáveis às crianças

0
1070

A Fundação Bernard van Leer (BvLF, da sigla em inglês), organização holandesa com 60 anos de apoio exclusivo a projetos e programas para melhorar a vida das crianças em mais de 50 países, aproveitou a 5ª Cúpula de Líderes Regionais Locais de Cidades, iniciativa do CGLU ( Governos Locais Unidos) , que ocorreu na última semana, em Bogotá (Colômbia), para apresentar a solução Urban95, um convite a líderes de países, municípios e urbanistas para a importância de desenhar cidades mais aptas ao desenvolvimento saudável das crianças.

Aproveitando a quinta edição da cúpula do CGLU, até hoje a primeira a anteceder e servir de preparatória para o HabitatIII, a Conferência Mundial da ONU em Desenvolvimento Sustentável, que só ocorre a cada 20 anos e teve início nesta segunda-feira, em Quito, a BvLF apresentou as linhas gerais de trabalho propostas pela solução Urban95 às lideranças de governo e integrantes de organizações e institutos de suporte ao desenvolvimento social da América Latina. A temática da infância dialoga com o tema da Cúpula: Vozes locais para um mundo melhor, que ocorreu em paralelo ao 5º Congresso do CGLU, no Centro de Convenções Corferias e teve como grande eixo as discussões sobre o Direito à Cidade.

Durante a 5ª Cúpúla, a Bernard van Leer usou duas estratégias para comunicar a importância de maior debate e foco no redesenho urbano às crianças e a proposta da Urban95: o “Painel Primeira Infância: primeiros passos para a Equidade”, com especialistas de reputação internacional que trabalham com infância, e também um workshop prático sobre o Urban95, reunindo 50 pessoas, dentre especialistas, acadêmicos, técnicos de governo, organizações sociais e educacionais e institutos. Estive presente em ambos e pude aprender bastante sobre as grandes tendências mundiais de cuidado à criança. Em breve posto meu relato pessoal de participação no workshop.

Dentre alguns dos nomes de reputação internacional no workshop estavam o professor inglês Timothy Gil, da Founder Rethinking Childhood, que há 20 anos escreve, faz pesquisa e consultoria sobre a importância do brincar na qualidade de vida de crianças. Gil tem envolvido muitas pessoas para estudar o tema e demonstrou bastante interesse em trazer seus estudos ao Brasil. Aproveitou a ocasião para entrevistar especialistas para o livro que está preparando sobre a temática de políticas públicas e infância.

Da Espanha, Marta Román, geografa e sócia fundadora da Gea21, é outra especialista bastante destacada, seu foco é o empoderamento de pessoas para que sejam colaboradoras do planejamento urbano. Do Brasil participaram Ana Estela Haddad, com 10 anos de gestão pública e criadora hoje da política de cuidados de atenção integral à criança de maior abrangência no país, a Política da Infância de SP (São Paulo Carinhosa), Oded Grajew, Coordenador da Rede Nossa São Paulo, Tereza Herling, secretária adjunta de desenvolvimento urbano de São Paulo, e Rodrigo Mindlin Loeb, superintendente do Instituto Brasiliana, de cultura brasileira e estudos sobre infância e desenvolvimento urbano.

Para o grande público e especialistas, transmitido online em um dos canais de livestream do evento , o painel sobre Primeira Infância, realizado na quinta, teve protagonismo de mulheres e platéia lotada. No auditório com capacidade para 700 pessoas, muitas assistiram mesmo no chão e houve fila para os aparelhos de tradução. Participaram a Ellen Frade, diretora de Aprendizagem Infantil da Fundação Bill and Melinda Gates, dos EUA, Maria Cristina Tugillo, Presidente do programa da Primeira Infância de Cero a Ciempre, do governo federal da Colômbia, Dharitri Patnaik, consultora sênior representante da BvLF para a Índia, Ana Estela Haddad, coordenadora do programa de desenvolvimento da infância em São Paulo (São Paulo Carinhosa) , Brasil, e Maria Consuelo Araújo, secretária do Departamento de Integração Social de Bogotá. O CEO da Fundação Maio Santo Domingo Foundation, Juan Carlos Franco, foi o único homem a participar.

O painel iniciou com uma palestra de Ellen, que relembrou estudos que relatam existir pelo menos 200 mil crianças, menores de 5 anos, em todo o mundo, que não desenvolvem todo o seu potencial de aprendizado em decorrência de situações desfavoráveis. Citou particularmente os estudos a respeito da apreensão de matemática e desenvolvimento de linguagem. De fato, a neurociência já comprovou que baixa nutrição, a falta de referência de um cuidador e violências sofridas na infância afetam a vida de uma criança para toda uma vida. A plateia, formada por muitos educadores e gestores de vários países da América Latina, anotava dados em cadernos e registrava com celulares.

Ellen não relativizou as dificuldades do trabalho de implementar medidas de real impacto à infância. Ela comentou a respeito da pressão sofrida por parte de gestores públicos e atores de política pública para, no meio do caminho, priorizar os adultos em vez de crianças, mas recomendou que resistissemos. “As crianças precisavam ser o centro da atenção de todas as ações que tomamos. Mas sofremos pressões de todos os lados”, comentou. “Resistí, a causa é importante e precisamos ir mais longe. Precisamos sempre tomar decisões baseadas em estudos, medir impactos, avaliar, implementar e melhorar.” Ela ponderou ainda outros aspectos que influem indiretamente no bem estar infantil. “Uma criança precisa se sentir feliz, estimulada para brincar, estudar, saber que seus pais estão com trabalho, ter uma boa atenção dentária, afinal sabemos que experiências na vida de uma criança muito pequem podem influenciar a construção cerebral para o bem e para o mal.”

A indiana Dhariti Patnaik, da BvLF, contou uma história interessante sobre a criação desta instituição filantrópica e sobre o lançamento da Urban95. Ela contou que o então proprietário da empresa Bernard van Leer, nos anos 50, era um filantrópo que queria ajudar a reconstruir sua sociedade depois da guerra. Num vôo, Oscar van Leer, então filho deste empresário, se encontrou com um especialista e perguntou o que seria mais efetivo investir para apoiar a sociedade. E então o especialista o aconselhou dar suportes a educação infantil e no processo educacional, em formas que pudessem resultar em centros de excelência. A fundação investiu muitos anos nisto e hoje amplia seu foco por meio do Urban. “Hoje, muito tempo depois, sabemos que planejar uma cidade é um processo complexo, exige metodologia e o planejamento de cidades é ainda mais difícil porque ainda existem lugares nos quais não há centros de educação, jardins, parques. Isso nos fez pensar e pedir aos gestores públicos e planejadores que percebam a cidade através da altura de uma criança de 95centímetros, que é mais ou menos isso que ela tem aos três anos. Isso é o centro de tudo o que fazemos. ”

“Se quiser saber mesmo como está uma cidade, precisamos saber o que ela oferece a uma criança”, afirmou Dharitri. “Muitas crianças vivem em assentamentos precários e são invisíveis ao poder público. Ninguém se atreve a ir visitá-los e a informação é difícil de encontrar. Mesmo nos mapas, os programas governamentais não encontram determinadas zonas. ” E ela perguntou em tom de chamada oral: ” quantos de vocês sabem se um programa de política pública é para a criança?”. Ao citar o nome dos países, muitos colombianos e brasileiros levantaram a mão. E seguiram-se aplausos.

Política de SP representando o Brasil

primeiradama
RODRIGO MINDLIN LOEB (INSTITUTO BRASILIANA) E ANA ESTELA HADDAD (PRIMEIRA-DAMA E COORDENADORA DA POLÍTICA DE ATENÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA DE SP (SÃO PAULO CARINHOSA): POR MEIO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA CRIARAM O SP95

A primeira-dama de São Paulo e coordenadora do programa São Paulo Carinhosa, Ana Estela Haddad, convidada para representar o Brasil, apresentou passos e resultados da criação do São Paulo Carinhosa, programa da capital paulistana lançado em 2013 que reúne 14 secretarias de governo e inspirado no Brasil Carinhoso. Ela narrou brevemente a construção do programa de visita domiciliar infantil criado na cidade que beneficia 63 mil famílias na cidade em 10 regiões mais precárias e apresentou um vídeo do projeto SP95, o primeiro do país a aderir ao conceito do Urban e que está sendo realizado em parceria com a Bernard van Leer Foundation, cooperação técnica do Instituto Brasiliana, na região central da cidade de São Paulo.7

Por ser a cidade mais populosa da mesa e a única a ter um programa amplo e desenvolvido, houve bastante interesse das participantes do painel em buscar exemplos no modelo apresentado por Ana Estela Haddad. Ela chamou a atenção para a importância de o governo ter um referencial para o conceito de cidade que se pretende ter. Comentou que, em São Paulo, o Plano Diretor atual aprovado, bastante ancorado no conceito de Direito à cidade e responsável pela organização do espaço, prevê um desenvolvimento equilibrado da cidade, com a premissa de devolver a cidade para as pessoas. A partir dele, pudemos trabalhar contemplando a preservação de áreas urbanas, estimular a agricultura familiar e orgânica, levando essa alimentação para as escolas.

“Saímos de uma patamar de zero para 27% de compra de alimentação escolar orgânica, adquirida das cooperativas familiares. Para ela, os pesquisadores haviam encomendado algumas perguntas, sobre a inclusão das crianças e o que deixaria de mensagem ao próximo prefeito de São Paulo. “As crianças devem ser escutadas para que possamos fazer uma boa política”, respondeu. “Eu diria ao próximo prefeito que em cada programa e em cada nova ação pergunte como estas podem ser boas para as crianças. Se uma política for boa para as crianças, será boa para todo mundo.”

Igualdade de oportunidades

A Urban95 vem sendo desenhada pela BvLF há pelo menos um ano, a partir da atuação em campo e observação trazida por técnicos, acadêmicos e especialistas e a proposta tem recebido, aos poucos, a contribuição de especialistas. Na síntese oficial apresentada sobre a Urban95, duas frases da BvLF ratificam as motivações desta escolha. “Durante séculos as cidades têm representado uma oportunidade, Urban95 crê firmemente que a igualdade de oportunidades começa com os cidadãos mais pequenos.” Outro argumento: “Estamos convencidos de que favorecer que todas as crianças tenham um bom bom início na vida não é somente uma questão de justiça, mas também uma forma eficaz de cimentar sociedades mais pacíficas, prósperas e criativas.”
A arquiteta e urbanista espanhola Irene Quintáns, consultora da Bernard van Leer do Urban95 e que vive no Brasil, explicou durante o workshop as premissas da solução. “Nos centramos nos seguintes aspectos da cidade que consideramos especialmente importantes para as crianças pequenas e para quem cuida delas. A cidade pública; aquela que tenha transformação de seus espaços para que as crianças pequenas brinquem e para que as famílias possam descansar e reunirem-se. A cidade segura, com caminhos seguros para caminhar e ir de bicicleta aos serviços que as famílias usam com frequência e também ofereça um transporte público acessível e adequado para quando o caminhar a pé ou de bike seja possível. ”

Ela também explicou sobre a importância da cidade que cuida, aquela na qual os serviços sociais tenham estratégias de atenção a famílias que sejam acessíveis e de boa qualidade. “Importante a união de serviços e bem estar familiar junto com oportunidades para que os pais aprendam a interagir com filhos de maneira que contribua para o desenvolvimento mental e físico das crianças”, explicou a especialista. O consultor sênior da Fundação Bernard van Leer para a América Latina, Leonardo Yanez, afirmou que é preciso trabalhar contra a perversidade da pobreza, que é limitante, e que a situação das crianças se encontra invisível em grandes cidades. Em breve, entrevista com o Leonardo Yanez.

Fonte: A Cidade e a criança


Deixe uma resposta