Jovens descrevem difícil realidade no Brasil e demandam mais direitos em evento da ONU

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Cerca de 200 jovens representantes de movimentos sociais de todo o Brasil reuniram-se na segunda-feira (15) na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em evento organizado pela ONU Brasil para contar de que forma enfrentam dificuldades cotidianas envolvendo racismo, machismo, gravidez precoce, LGBTI-fobia, pobreza; e demandaram de governos, das Nações Unidas e da sociedade brasileira mais respeito em relação a seus direitos.

Maria Luiza da Silva de Souza, 23 anos, moradora de uma favela de Niterói (RJ), foi uma das jovens que apresentaram suas histórias de vida e demandas no encontro, que teve a participação do assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz, Wilfried Lemke, e do enviado do secretário-geral da ONU para a Juventude, Ahmad Alhendawi, em visita ao país especialmente para o evento do Dia Internacional da Juventude.

Representante do grupo de trabalho da Juventude de Terreiro da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO), Maria Luiza disse ter sofrido na escola com racismo e preconceito por parte de professores em relação à sua religião, a umbanda.

“No Brasil, temos a segunda maior população negra do mundo. Mesmo assim, não temos direitos garantidos e continuamos sofrendo os impactos do racismo”, declarou. “No caso da juventude de terreiros, a maior parte negra, sofremos com o racismo e também com a intolerância religiosa, que vem aumentando consideravelmente em nosso país”.

Histórias de preconceito e pobreza foram recorrentes nos relatos dos jovens que participaram do encontro. Lellezinha, 18 anos, cantora do grupo Dream Team do Passinho, abordou a realidade das meninas das favelas cariocas, que muitas vezes engravidam precocemente. Além de serem estigmatizadas por terem engravidado, elas acabam abandonando seus projetos de vida e, frequentemente, criam os filhos sozinhas.

“Uma colega de escola engravidou e todo mundo a criticava. Ela teve que sair da escola”, contou Lellezinha. “O projeto de vida dela virou a maternidade. Não tenho dúvidas de que é uma excelente mãe. Mas ainda lembro que ela tinha muitos outros sonhos”, disse a cantora, completando que mesmo depois do ocorrido, a educação sexual não foi adotada nas salas de aula da escola.

“A gente aprende na favela a dar um jeito, a se virar, mas eu não posso aceitar calada que a sociedade continue fechando os olhos para a falta de direitos sexuais e reprodutivos para todas nós”, disse Lellezinha. “Não posso aceitar que se continue culpando as mulheres infectadas pelo vírus zika, sobretudo jovens negras. Onde estão seus direitos? E a corresponsabilidade dos meninos e homens? ”, cobrou.

Dados de 2014 citados pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) mostraram que, no Brasil, 20% das mães têm menos de 19 anos, e 40% delas abandonam a escola por causa da maternidade. Segundo o Ministério da Saúde, em 2014, nasceram 28,2 mil filhos de meninas entre 10 e 14 anos, e 534,4 mil de mães com idades entre 15 e 19 anos.

A violência contra travestis e transexuais no Brasil também foi alvo de críticas, uma vez que, segundo dados da organização Transgender Europe, o país registra mais assassinatos dessa população no mundo. Ayune Bezerra, representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), lembrou que essa realidade faz com que os travestis e transexuais tenham uma expectativa de vida de apenas 35 anos no país.

“Temos visto essas pessoas morrerem, serem assassinadas ou excluídas do convívio social”, declarou Ayune. “Os assassinos não só matam, mas matam com requintes de crueldade, e tornam a matar e quase sempre impera a impunidade”, denunciou.

“Noventa por cento das travestis sobrevivem da prostituição, isso por falta de educação e formação profissional. A escola ainda não sabe lidar com essas pessoas, acirrando a transfobia institucional para com essa população quando não respeitam seu nome social”, completou.

Os relatos dos jovens foram feitos tendo em vista a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que contém metas para os países atingirem nos próximos 15 anos. Segundo Ayune, para o cumprimento desses objetivos, é “preciso mais do que acordos diplomáticos”. “É preciso incentivar debates em torno da igualdade de gênero e identidade de gênero, levando esses jovens a construir um pensamento que vise a respeitar todas as pessoas. Temos que lutar por um país livre da pobreza, da desigualdade e da LGBTI-fobia”, declarou

A difícil realidade dos povos indígenas também foi abordada por dois de seus representantes: Dinamam, do Povo Tuxá da Bahia e membro da Rede de Juventude Indígena (REJUIND) e Alexandro Kuaray Mirim, do Fórum de Comunidades Tradicionais Caiçaras, Guarani, Quilombolas de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba.

Dinamam afirmou que a juventude indígena brasileira está sendo assassinada dentro de seus próprios territórios, que não estão sendo demarcados pelo Estado. “Como pensar 2030, se nós não vamos chegar lá? Hoje, a média nacional de suicídios é seis vezes maior entre indígenas. Nossa juventude está morrendo porque não tem seu território assegurado pelo Estado”, declarou.

“As comunidades indígenas vêm sofrendo ao longo de 500 anos com uma política de Estado colonialista que não permite que a gente se insira em um meio de discussão política. Nossas lideranças estão sendo assassinadas por militar em favor da terra”, afirmou Dinaman.

No mesmo sentido, Alexandro Kuraray Mirim falou sobre a marginalização dos indígenas na sociedade brasileira. “As comunidades tradicionais estão sendo excluídas da sociedade pelos governantes, não só os de Brasília como os municipais também”, disse.

O sírio Adel Bakkour, 23 anos, representou a juventude refugiada vivendo no Brasil. Há quatro anos no país, ele é estudante de química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor de árabe.

“Nós jovens representamos a maior parte dos refugiados hoje. Deixamos para trás trabalhos, estudos, famílias, nossos maiores sonhos de futuro. Saímos perdidos e chegamos perdidos onde formos”, disse. “Estar num país como refugiado não significa que deixamos de ser pessoas ativas que podem mudar nossas situações”,lembrou.

“Nós só precisamos de oportunidades e chances para poder construir um novo caminho e uma nova vida no novo lugar”, disse. “Sempre há dificuldades no início de cada sonho, então, vamos enfrentar essas dificuldades tentando realizar a Agenda 2030 e não vamos desistir até conseguir”, concluiu.

Fonte: ONU Brasil

Foto: UNIC Rio/Matheus Otanari


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